sábado, 5 de abril de 2014

"É MUITO TARDE"

Hoje, sem nenhuma inspiração para escrever coisas minhas,
permitam-me, transcrever página do meu encantamento.
 Trata-se de
exórdio do sermão de despedida do púlpito
 de Francisco de Monte-Alverne, (1784-1858), pregador régio,
 que, cego, e afastado de suas funções durante anos,
 assim se expressou: 

"È muito tarde. 
 Não, não poderei terminar o quadro que acabei de bosquejar;
compelido por força irresistível a encetar de novo a carreira que percorri por
vinte e seis anos, quando a imaginação já está extinta, quando robustez da 
inteligência está enfraquecida por tantos esforços, quando não vejo as galas
do  santuário, e eu mesmo pareço estranho àqueles que me escutam, como
 desempenhar  esse passado tão fértil em reminiscências? Como reproduzir 
esses transportes, esse enlevo com que realcei as festas da religião e da pátria?
É tarde... É muito tarde!... Seria impossivel reconhecer um carro de triunfo neste
púlpito, que há dezoito anos é para mim um pensamento sinistro, uma recordação
aflitiva, um fantasma infenso e importuno, a pira em que arderam os meus olhos
e cujos degraus desci só e silencioso para esconder-me no retiro do claustro.
Os bardos do Tabor, os cantores de Hermon e do Sinai, batidos da tribulação,
devorados dos pesares não ouvindo mais os ecos repetirem as estrofes de seus 
cântigos nas quebradas de suas montanhas pitorescas, e escutando a voz do deserto
que levava ao longe a melodia dos seus hinos, penduravam seus alaúdes nos salgueiros 
que bordavam o rio da escravidão; e quando os homens que apreciavam as suas 
composições, quando aqueles que deleitavam com os perfumes e a beleza de suas
imagens, vinham pedir-lhes a reprodução dessas epopeias em que se perpetuavam
as memórias de seus antepassados e as maravilhas do Todo Poderoso, - eles cobriam
suas faces umedecidas de pranto, e abandonavam as cordas frouxas e desafinadas de 
seus instrumentos músicos ao vento das tempestades.
Religião divina, misteriosa e encantadora, tu que dirigiste meus passos na vereda 
escabrosa da eloquência, tu a quem devo todas as minhas inspirações, tu, minha 
estrela, minha consolação, meu único refúgio, toma esta coroa... Se dos espinhos que
a cercam rebentar alguma flor, se das silvas que a enlaçam reverdecerem algumas 
folhas, se um adorno renascer destas vergônteas já secas: - deposita-as nas mãos do 
Imperador, para que os suspenda como um trofeu sobre o altar do grande homem a 
quem ele deve o seu nome e o Brasil a proteção mais decidida. 
("Panegírico de S. Pedro Alcântara " - proferido na Capela Imperial em
 19 de outubrode 1854).  

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