sábado, 5 de julho de 2014

5/07/2014 7:49

O gol que não foi mostrado

Dona Fifa – ora, veja, pois! – menosprezou a importância do feito científico do respeitado neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Reservou fração de tempo infinitesimal na insossa festa de abertura da Copa para apresentação do projeto “Andar de Novo”. A pretensão dos autores do projeto era mostrar ao mundo as imagens de um tetraplégico, no caso específico Juliano Pinto, brasileiro, de 29 anos, amparado numa estrutura robótica, dando o pontapé inicial da brazuca no centro do gramado do Itaquerão na cerimonia inaugural dos jogos.
As coisas, infelizmente, não funcionaram de acordo com o roteiro traçado. Faltou engenho por parte dos técnicos incumbidos das filmagens e empenho por parte da cartolagem. As câmeras espalhadas pela majestosa arena esportiva não projetaram nada daquilo que estava anunciado. O telespectador não conseguiu captar com nitidez a cena programada. Ou seja, uma pessoa desprovida de movimentos nas pernas, apoiada por uma estrutura metálica de sustentação do corpo que reage a comandos cerebrais, erguer-se da cadeira de rodas, a movimentar-se em direção da bola para o chute.
“A Fifa deveria responder pela edição das imagens que impediu a demonstração transmitida na íntegra do feito. A responsabilidade é toda dela”, sublinhou Nicolelis, confessando-se, nada obstante, satisfeito com o experimento científico propriamente dito. Os apenas 15 segundos disponibilizados na transmissão para registro do histórico acontecimento foram inseridos no meio do desenxabido espetáculo artístico montado e vistos de relance por parcela mais atenta do público. A narração do fato ocorreu tardiamente, passando a sensação de que os próprios locutores não estavam devidamente informados do que estava rolando. De outra parte, o lance aconteceu fora e não no centro do campo, ao contrário do que era esperado, sob a alegação fajuta de que a movimentação do jovem tetraplégico com o aparelho denominado exoesqueleto pressionaria o terreno. O mesmo terreno, por sinal, que suportou sem danos as estruturas do show.
Tudo isso impossibilitou que o público se inteirasse, em nível de detalhe, da proeza científica. Em resumo, o que se acabou vendo, em descrições insuficientes dos narradores, foi um lance solto da bola em movimento.
O resultado positivo da experimentação científica ficou, todavia, bem configurado na manifestação de Glauco Arbix, presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Suas as palavras que se seguem: “A Finep se orgulha de ter investido R$ 33 milhões no projeto Andar de Novo, que vem sendo desenvolvido há dez anos. Foi um verdadeiro gol da ciência brasileira. Nossos cientistas mostraram para o mundo do que são capazes. Acompanhamos os testes do exoesqueleto e sempre tivemos a melhor expectativa possível. Isso foi confirmado agora.” Os sinais cerebrais do paciente são processados em tempo real, decodificados e utilizados para acionar condutores hidráulicos. O objetivo do projeto é aplicar uma tecnologia inovadora que permita pessoas com mobilidade restringida recomeçarem a andar, usando a mente para controlar um equipamento que substitui os membros inferiores.
Esse gol de placa, que exalta a cultura científica deste país desconhecido pelos plantonistas do desalento e do pessimismo, não pôde, desafortunadamente, ser mostrado ao distinto público da festa inaugural da Copa. Que pena, que pena!

Cesar Vanucci
Jornalista
cantonius1@yahoo.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário